Conto - Sobre cachorros e cachorradas, por João Francisco Santos da Silva
- Alex Fraga

- há 2 horas
- 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clinico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com Sobre cachorros e cachorradas.
Sobre cachorros e cachorradas
Quando tinha seis anos ganhei meu primeiro cachorro. Um filhote de vira-latas de porte médio. Quase todo preto, com o peito marrom, e uma das patas dianteira branca, que de longe parecia estar engessada. Foi presente da dona Antônia, vizinha de bairro. Até hoje me lembro de sair da casa de dona Antônia com meu cãozinho nos braços. Uma das primeiras coisas que fiz foi escolher um nome para ele. Minha mãe, veterana de muitos cachorros, sugeriu o mesmo nome de outro cão que ela teve: Peri. Mas Peri ganhou um segundo nome, que nem lembro mais de quem foi a ideia. O Peri também se chamava Leão.
Com certeza, dos seis aos treze anos, ele foi o meu grande amigo. Me viu rir e chorar várias vezes, verdade que por aquela época eu era mais chorão. Também lhe contei tantas e tantas coisas que eram importantes para mim. Confidências, frustrações, sonhos, alegrias. Peri era um ótimo ouvinte, me deixava falar tudo que queria e sem me interromper. Algumas crianças costumam ter amigos imaginários, mas o meu companheiro era bem real. Possuía quatro patas, latia, se coçava com as pulgas, adorava virar de barriga para cima e receber um carinho, também pulava em mim, lambendo a minha cara.
O Peri se foi, mas depois dele outros bons amigos vieram. Agora adulto e com menos tempo para as coisas mais importantes da vida, nem sempre dou tanta atenção para eles. O bom é que a vida nos proporciona novas oportunidades. Há alguns anos, conheci uma cachorrinha já adulta, de gênio forte, mandona e um pouco arredia ao contato físico. Creio que pelo menos a nossa maneira, meio que implicando um com o outro, cultivamos uma amizade gostosa. Fiquei bravo com ela algumas vezes, e em muitas outras ela me fez rir. Brigamos, brincamos e também dividimos alguns segredos que a Gabriela (sua tutora) nem imagina.
Dezoito de setembro foi o dia de deixar a Pipoca partir. Em meio a tristeza do momento, lembrei que minha mãe tem a seguinte teoria: quando morremos, cada um dos nossos cachorros está nos esperando lá no outro lado. Nas contas que fez de cabeça, ela estima haver mais de 15 cães aguardando a sua chegada. Mas para quem não acredita nisso, minha mãe tem outra teoria, meio diferente, mas que, ao menos para ela, faz todo o sentido. Os cachorros depois que morrem reencarnam e, outra vez mais voltam por aqui. Cada um que acredite se quiser.
Para mim, cachorro é cachorro, não é gente! E que bom que não é. Cachorro faz cachorrada e suas cachorradas nos fazem tão bem, elas até servem para convivermos melhor com nós mesmos e com outros humanos. Agora estou de luto pela perda da Pipoca. Além de saudades e boas lembranças, ela me deixa uma reflexão sobre as perdas que já tive e em outras que ainda terei. Se as chegadas e partidas fazem parte de nossa existência e a dor é algo inevitável, que ao menos sirva para tolerarmos melhor nossa passagem por aqui. Se é que existe dose homeopática de sofrimento, a experiência com a morte de um animal querido pode ser isso. Não nos imuniza, mas nos ajuda a lidar um pouco melhor com a partida de criaturas amadas, sejam elas animais ou humanas.
Campo Grande, 19 de setembro de 2025





Comentários