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Conto - Os fantasmas familiares, por João Francisco Santos da Silva

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 1 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor, João Francisco Santos da Silva com "Os fantasmas familiares"


Os fantasmas familiares


Ele sempre foi fascinado por chuva. Gostava de todos os tipos. Suas preferidas eram as trovoadas de verão. Aquelas que caiam nos finais de tardes de muito calor. As nuvens negras pareciam marcar encontro em um mesmo lugar. Elas vinham chegando e se adensando cada vez mais, até que de uma hora para outra o céu ficava negro e o dia virava noite. Quanto mais intensa, e se fosse acompanhada de rajadas de vento, pedras de gelo, raios e trovões, melhor ainda.

Quando criança, ele apreciava ver a chuva caindo no jardim de casa. Permanecia parado de rosto colado no vidro da janela da cozinha. A água da enxurrada descia pela calçada formando pequenos rios que chegavam ao fundo do quintal. Assim como vinha, ia embora. Então, o menino corria para o quintal para soltar barquinhos na água que ainda escorria pelo chão. A parte interna da caixa de fósforos, ou qualquer outra coisa que flutuasse, virava barco.

O dia que ele teve mais medo em sua vida, foi numa noite de chuva forte, com muitos raios e trovões. Nunca teve medo de chuva, nem de raios ou trovões. Mas, de fantasmas e de escuro sim. E naquela noite faltou luz e os fantasmas vieram lhe importunar. Devia ter uns quatro anos de idade. O vizinho havia falecido naquele dia. Morreu almoçando. Morte súbita. Pegou todo mundo de surpresa. Naquele tempo, os defuntos eram velados em casa. E velórios não eram coisas para criança. Os pais foram velar o corpo do vizinho prometendo voltar logo. Tantos anos depois, ainda não conseguia entender porque seus pais lhe deixaram sozinho em casa, e onde estavam os seus outros irmãos?

A tempestade se formou do jeito que ele tanto gostava. Foi para a janela da cozinha e ficou observando o espetáculo. Tudo ia bem, até ouvir um forte estrondo de trovão e todas as luzes da casa se apagarem. Foi quando se deu conta que já era noite e que estava sozinho e no escuro. O medo veio forte. O suficiente para não conseguir olhar para trás, temeroso de ver algo indesejável. Continuou com a cara colada na janela da cozinha, sem ousar fazer o mínimo movimento que fosse. Do lado de fora estava um pouco menos escuro e volta e meia um raio iluminava o quintal nos fundos de casa. Depois de um tempo, que custou a passar, foi que o que ele mais temia aconteceu. Em meio a mais um clarão de raio pode ver uma pequena legião de espectros que descendo do céu aterrissou no gramado. Eram criaturas com silhuetas escuras e disformes. De longe ele só conseguiu identificar os olhos desses entes sobrenaturais.

O grupo se alinhou em fila indiana e o que estava na frente olhou para a janela da cozinha. Ele apontou para onde o menino estava. Então, as estranhas criaturas caminharam em direção a janela da cozinha. Seguiam a passos lentos, porém determinados. Em vão, o menino tentava dar meia volta para fugir dali. Os gregos possuíam altares em casa para venerar seus antepassados, os chamados espíritos familiares. Com quatro anos e morrendo de medo, o menino não estava preparado para aquele tipo de interação familiar.

Não se lembra dos detalhes, mas, conseguiu correr até a sua cama. O quarto com duas beliches era dividido por ele e seus três irmãos mais velhos. Se enfiou embaixo das cobertas e lá ficou sozinho por um tempo indeterminado. Apenas esperando o momento em que seria apanhado pelos espectros da noite. Até que finalmente chegaram seus três irmãos. Estavam com os tênis encharcados e os corpos meio molhados. Riam alto e falavam de fantasmas. Pelo menos, nessa noite, eram eles os fantasmas familiares. Três criaturas das trevas que cobertas por capas de chuvas com capuzes se deram ao trabalho de esperar os pais saírem de casa, e em meio àquela chuva toda, foram sorrateiramente se esconder no fundo do quintal. Meticulosamente sádicos, desligaram o disjuntor da casa e partiram para a aplicar o susto no caçula.

Depois do ocorrido, o menino demorou para pegar no sono. E durante a noite, todos os fantasmas conhecidos e desconhecidos retornaram para lhe visitar. Acordou gritando e chamando pela mãe. Nessas ocasiões, sua mãe ia até a sua cama e deitava no seu lado até ele adormecer de novo. Ela sabia fazer algum tipo de encantamento, pois depois, o menino voltava a dormir serenamente pelo resto da noite. Devia rezar para os espíritos familiares e gentilmente lhes pedia para que dessem um sossego para o seu filho pequeno e medroso.

No outro dia, o menino acordou como se nada tivesse acontecido. Os irmãos levaram uma bronca do pai, aborrecido pela agitação da noite. E a mãe? Continuou sendo mãe em tempo integral, 24 horas por dia, fazendo chuva ou fazendo sol.


21 de abril de 2024

 
 
 

2 comentarios

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Invitado
12 jun 2024
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

😘

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Invitado
01 jun 2024
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️

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