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Conto - O prédio, por João Francisco Santos da Silva

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 12 de abr.
  • 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "O Prédio"


O PRÉDIO


A sombra em forma de C flanou lentamente pelo pátio do estacionamento fazendo pequenas pausas antes de desaparecer na parede dos fundos do Prédio. O edifício não seguia nenhum modelo padrão, porém possuía algumas características em comum com outros de sua espécie. Na entrada da frente, ao lado da porta principal, uma imensa placa estampava o horário de funcionamento. Ela servia de alerta de que ninguém poderia entrar fora do período de tempo estabelecido. Nos fundos ficava uma outra porta, pequena e discreta e que se destinava como entrada exclusiva das pessoas responsáveis por fazer o Prédio “funcionar da forma como funcionava”.

Prédio velho, embora novo se comparado a instituição antiga a qual pertencia. Herança dos tempos do Império e que ainda se mantinha firme e forte resistindo aos avanços da modernidade como internet rápida, aplicativos, vídeos conferências, home office, entre tantas outras comodidades. Na contra mão, o Prédio prezava por preservar o funcionamento presencial com horários fixos, inflexíveis e, acima de tudo, por deixar seus frequentadores aborrecidos. Também oferecia, somente para os frequentadores da porta dos fundos, um morno e doce café de garrafa térmica com defeito.

Com apenas três andares, o Prédio possuía um pequeno estacionamento sempre cheio. A porta da frente abria de segunda a sexta-feira dás 7:30 às 11:30 da manhã. Seria mais fácil comprar um pão francês de madrugada numa conveniência 24 horas que conseguir sair satisfeito do tal Prédio próximo da hora do almoço. Insatisfação geral, compartilhada tanto pelos que iam lá com pendências burocráticas, quanto pelos responsáveis para, nem sempre, resolve-las.

Embora o Prédio atraísse duas espécies distintas de frequentadores, vez por outra elas podiam inverter de posição. Havia os que, quando conseguiam, entravam pela porta da frente do prédio no horário determinado. Em geral, eles iam para tentar resolver problemas, muitos deles, criados lá dentro mesmo. E havia os frequentadores da porta dos fundos do Prédio, esses eram um caso à parte. Grupo muito complexo e heterogêneo, carregado de questões existenciais e legítimo representante da raça humana.

Os dois grupos com certeza se pudessem nunca poriam os pés no Prédio. Experiência quase sempre desagradável e traumática. O drama já começava na chegada. Achar vaga no estacionamento do Prédio numa segunda-feira às 8:40 h da manhã, só mesmo por sorte. E foi por pura sorte que o motorista do fusca azul encontrou uma vaguinha livre na parte do estacionamento mais próxima dos fundos do Prédio. Antes de

enfrentar o Prédio, o motorista se deu ao prazer de terminar de ouvir a música que tocava no rádio do carro. Distraído com a canção e olhando para o pátio do estacionamento, ele viu um homem que caminhava curvado e com os passos arrastados em direção aos fundos do Prédio. O homem era a imagem do desânimo em pessoa. Que triste figura pensou o motorista do fusca azul.

A programação musical da rádio estava ótima naquela manhã e o motorista do fusca escutou mais duas ou três músicas antes de descer do carro. Às quase 10:00 h da manhã, o sol já ia alto e incidia na lateral de seu corpo produzindo uma sombra em forma de C que vacilante se deslocou lentamente pelo pátio do estacionamento, até de desaparecer na mesma parede dos fundos pela qual uma hora antes entrara o outro homem.


 
 
 

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