Conto - No Shopping, por João Francisco Santos da Silva

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva com "No Shopping"

No Shopping

— Ei Tiago! Aqui, Tiago! Gritou de longe o rapaz.

O Tiago não me ouviu! Ele estava de costas para mim pagando o estacionamento do shopping. Fiquei meio sem jeito. Não quis falar mais alto. Então, virei meu rosto para o outro lado, e disfarcei fingindo que estava olhando alguma coisa qualquer. Esperei até ele ir embora. Depois fiquei pensando: que cara cretino! Esnobe, simplesmente me ignorou! Esse tipo de amigo prefiro bem longe de mim! Com essas ideias na cabeça, o rapaz ignorado, e agora também irado, foi embora para casa.

Alguns dias depois, no mesmo shopping, o rapaz dá de cara com a mulher de Tiago. Após um constrangimento inicial, de ambas as partes, entabulam uma pequena conversação.

— Olá, tudo bem? Vi você e o Tiago um dia desses. Sim, estavam pagando o estacionamento. Mas, vocês não me viram.

Aliás, vocês me ignoraram. Claro que não falei isso. Tive a intenção, minha língua bem que coçou. Mesmo estando cheio de razão, nada comentei para não lhe constranger. Acho que estou acima dessas baixarias, sou mais civilizado e educado que esses dois.

Foi então que a esposa de Tiago começou a chorar. Choro discreto que parecia sair com dificuldade. Depois de algum esforço, e medindo as palavras, ela conseguiu me contar o drama familiar pelo qual estavam passando.

Diante dessa nova situação, fiz de tudo para ser um ouvinte atento. Usei toda a minha empatia, que confesso não devia ser muita naquela hora tão triste.

— Que lástima! Não me diga! Fase difícil essa que vocês estão passando! O Tiago com câncer de intestino!

— E a mãe dele com câncer de estomago?

—Ela morreu? Nossa! É muita tragédia!

— Mas, o Tiago, a última vez que lhe vi, parecia tão bem. Não?

— Puxa é mesmo? A quimioterapia o deixou com déficit auditivo.

— Quer dizer que naquele dia ele também tinha me visto aqui no Shopping?

— Não acredito! Ele achou que eu virei o rosto para o outro lado porque não queria constrangê-lo por lhe ver naquela situação, tão emagrecido e pálido?

— O Tiago sempre pergunta por mim? É mesmo?

— Então.... Andei meio sumido. Você sabe, a vida da gente é uma correria danada. Respondi de forma hesitante.

Para ser sincero, eu só estava muito preocupado prestando atenção em meu próprio umbigo, por isso nem me lembrei de Tiago nesse tempo todo que não nos vemos. Essa parte eu pensei, mas não tive coragem para dizer.

— Fico até emocionado por ter um amigo que me quer tão bem como o Tiago. De fato, eu estava muito emocionado e totalmente constrangido. Comecei a me sentir péssimo. Minha vontade era de sumir dali.

— Sim. Na primeira oportunidade irei visitar o Tiago. Agora eu mentia.

Mas, sinceramente, você e o Tiago não precisam de um amigo cretino e egoísta como eu. Podia ter lhe falado isso, mas não falei. Engoli a seco e me despedi. Desejei melhoras para o marido e balbuciei mais algumas palavras aleatórias. Então, desapareci o mais rápido possível da frente daquela senhora ingênua e desprovida de maldade.

Por sua vez, a mulher mal esperou o homem virar as costas e imediatamente ligou para o marido.

— Tiago meu amor! Sabe quem eu encontrei aqui no shopping?

— Aquele seu amigo meio esquisito, e super arrogante.

— Esse mesmo!

— Eu disse para você que não ficaria barato, todo aquele ar de desdém e de superioridade, fingindo que não nos viu naquele outro dia.

— Lhe dei um tapa com luva de pelica. Você bem sabe que não suporto gente falsa e arrogante.

— Depois lhe conto tudo com detalhes. Estou curiosa para ver a cara dele na próxima vez que nós três nos encontrarmos.

— Ah Tiago! Já ia me esquecendo. É hoje que vamos jantar na casa de sua mãe?