Conto - Náusea Fitness" por João Francisco Santos da Silva
- Alex Fraga
- 26 de abr.
- 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Náusea Fitness".
Náusea Fitness
Chego em casa trazendo-a comigo. Não há reviravoltas em minhas entranhas. O que sinto é um aperto interno que se inicia na altura de onde devia estar meu estomago e atinge até a parte mais alta do esôfago, quase saindo boca afora. Faço questão de ignorar a anatomia dos meus incômodos. Escolho reclamar do mal que me aflige a diagnosticá-lo. Só para que me compreendam, quero explicar que todo ele é produzido com meu consentimento. Mas antes que me julguem, deixo claro que não cedo de boa vontade.
Duas noites por semana, descubro da pior maneira possível a origem dos termos: ferrado, se ferrar, levar ferro e suas variantes. Não sou masoquista. Então por que me submeto a isso? Por que mesmo? Difícil explicar. Quero ter pernas para aguentar o meu corpo. Não é uma resposta que me convence. Mas se eu não me convencer que estou motivado, lá eles sempre fazem essa mesma pergunta: você está motivado? Nem volto na próxima terça feira à noite. E se não voltar ainda economizo. Até dá para pensar no assunto.
Tanto peso deve deslocar as vísceras. Daí essa sensação de aperto que dá náusea e tira a fome da pessoa. Vocês não imaginam como é gostoso chegar em casa sentindo isso. Mas não é porque eu gosto. Longe disso, eu odeio essa sensação. Pronto falei. Fazer coisas odiosas desde que os fins justifiquem os meios, há pessoas que acham ser uma conduta válida. Os meios são péssimos, estou ficando repetitivo. E os fins? Ah sim! Apenas faço isso, literalmente, pelo fim. Para que mais tarde, lá pelo fim da vida eu não sofra com quedas, fraturas e dificuldade para andar. Então estou fazendo o pagamento adiantado. Causo as dores no corpo agora, desde do calcanhar até a ponta das orelhas, faço com que meus braços e pernas tremam até quase não conseguirem me sustentar em pé; tudo isso na esperança que, se aguentar, viverei meus últimos dias plenamente. Quem acredita nisso?
Melhor mudar de assunto. Pelo menos, meus braços estão mais fortes e minhas panturrilhas, quanta diferença! Lembro delas de madrugada. Uma câimbra gostosa que me invade por 30 segundos, mas que parece durar meia hora e me faz acordar pensando nela e nos responsáveis por ela. Tirando as dores musculares que são diárias, o aperto por dentro só sinto quando chego em casa nas terças e quintas feiras à noite. Por coincidência, as câimbras também só surgem nas madrugadas de quarta e de sexta feira. Com tanto sofrimento, estou em dúvida que médico devo procurar?
Eu pensei em ir ao gastroenterologista. Lhe explicaria sobre minha náusea. Olha eu me autodiagnosticando. Além da náusea, há mais algumas outras coisas, todas mal
digeridas. Mas não vou ao gastroenterologista, ele iria me pedir uma endoscopia, depois orientaria modificar a dieta alimentar e por último, se fosse observador, me encaminharia para um psiquiatra. Então melhor ir direto ao psiquiatra. Vou lhe falar do stress e da ansiedade que sinto. Provavelmente o médico de cabeça me perguntará se fumo, se bebo e ainda, se sou sedentário. Já pensou se ele, para me acalmar, indica que aumente a musculação para três vezes por semana?
Melhor deixar quieto. Afinal eu sou um homem ou um rato? Em um mundo repleto de idosos, flácidos e com os músculos atrofiados, presos em uma cama, não dá para valorizar uma mera náusea fitness.
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