Conto - As damas do Eldorado, por João Francisco Santos da Silva
- Alex Fraga

- 4 de out.
- 4 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com João Francisco Santos da Silva.
As damas do Eldorado
A mata com cheiro de chuva e vapor d’água talvez fosse sua única boa recordação de Eldorado. Começou no garimpo com 14 anos. Fez de tudo, desde programas até trabalhar como cozinheira. A filha de 16 anos tem a mesma profissão. Cozinheira? A última vez que deixou o garimpo foi depois daquele homem invadir o quarto em que dormia e a ameaçá-la com um revólver na cabeça. Eles acham que são seus donos e que corpos valem tanto quanto um copo de coca cola. Partiu por medo, só de lembrar chorava. Dessa vez meio que acreditava poder dar certo. Só precisaria perseverar e arrumar alguém com quem deixar os sete filhos.
O ouro para ela significava prosperidade. Ter uma cama grande o suficiente para cinco pessoas e sem risco de rolar para fora e cair. Ter um banheiro como sempre sonhou. Ela via o metal amarelo e ficava feliz. Com 600 gramas de ouro recebia 200 mil reais. Depois de um tempo não quis mais fazer programas. Virou dona de cabaré.
Vida difícil de garimpeiro. O tempo é uma continua solidão, às vezes reduzida pelas gatas da cidade e a pinga. O ouro não passava de mera promessa traiçoeira. Como vinha, e quase nunca vinha, ia embora. Dava para fazer uma farra na cidade e se enganar um pouco. O resto da vida era o dia inteiro peneirando areia com os pés dentro d’água. Comida de lata, pinga de garrafa plástica, gonorreia e malária. Uns tapas na cara das vadias, todas interesseiras, só queriam saber de ouro. Sem dinheiro para pagar o programa, elas nem olhavam para ele.
— Eles acham que são nossos donos. Que por um copo de coca cola tem direito de invadir o quarto no meio da noite e encostar uma arma na nossa cabeça. Eles não podem pagar por uma coisa que não tem preço. Minha filha mais velha está com 16 anos, mesma idade que eu tinha quando ela nasceu. Saí de barriga do Eldorado. Terra de ouro, terra de ninguém. Só de lembrar da arma em minha cabeça tremo. Queria nunca mais voltar lá. Já voltei tantas vezes e a cada ano a família aumenta mais. Com sete filhos as coisas não são fáceis. Se eu voltar no garimpo, dessa vez eu vou só. Se eu arrumar um lugar para deixar os filhos...
— Mana, você diz muito “se”. Volta lá sabendo o que você quer e vai conseguir. Deixa as crianças comigo. Você passa uma temporada e retorna para casa com uma grana boa. – disse-lhe o irmão, com mais desesperanças pelo presente, que otimista com o futuro da irmã.
Após essa conversa, ela partiu decidida.
— Sempre há vaga para uma boa cozinheira! Mas pensava que depois daquela noite você não voltaria por aqui.
— Gosto de andar descalça de manhã bem cedo. Pisar nas folhas úmidas caídas no chão. O cheiro de chuva e vapor d’água dessa mata me atraem e enfeitiçam.
— Aqui o que vale e traz prosperidade, ou desgraça, é o ouro. Não se vem aqui para passear na natureza. E os filhos, não trouxe eles dessa vez? São quatro que você tem? – perguntou a dona do Cabaré.
— Agora já tenho sete. Eu vim sozinha. Isso aqui não é vida para eles!
— E a sua mais velha? Deve estar com 18 anos? Não iria faltar trabalho para ela também.
— Ela está com16 anos, mas como disse, não quero essa vida para ela. Ela tem a minha mesma profissão.
— Ué! Então porque não a trouxe?
— Ela é somente cozinheira! Não quero que minha filha seja comprada ou violentada aqui dentro. Só de lembrar daquela noite eu começo a chorar. Eles dão um copo de coca cola e acham que são nossos donos. Com que direito invadem o quarto e encostam uma arma na cabeça. Há coisas que não tem preço, não se compram e não se vendem. E também não se esquecem.
— Deixe de ser repetitiva! Você está traumatizada, mas assim não vai a lugar nenhum. Faça como eu. Vejo o ouro e fico feliz. Com 600 gramas construí meu cabaré. Tenho uma moto e realizei meus dois maiores sonhos na vida. Possuo uma cama enorme, cabe cinco pessoas e não corro o risco de cair dela à noite. E o melhor de tudo, pela primeira vez na vida, possuo um banheiro só meu. Se estivesse lá naquela cidade onde você mora, nem sei quantos anos levaria fazendo programas para conseguir tudo isso. Agora sou eu quem está sendo repetitiva – pensou a cafetina ao se dar conta que contava a mesma história para todas as meninas que chegavam ao cabaré.
— Eu quero ganhar dinheiro, fazer um pé de meia e dar uma vida melhor para os meus filhos. Quando eles crescerem vão saber que a mãe deles foi uma pessoa trabalhadora.
— Mulher, vou lhe falar pela última vez! Você cozinha bem, mas não vai ficar rica como eu fiquei. E mais cedo ou mais tarde sua filha virá para cá. Quem sabe ela tenha mais cabeça e veja isso como um negócio qualquer.
— Quem sabe. — concordou a cozinheira, sentindo-se cansada demais para convencer a patroa, ou talvez, se rendendo ao destino.





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