Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o escritor, médico acupunturista e clínico geral João Francisco Santos da Silva, com "A misteriosa casa da lagoa".
A MISTERIOSA CASA DA LAGOA
Um segredo
Vince é um menino de cinco anos. Na verdade, seu nome é Vicente. Vince é só o apelido carinhoso dado pelo avô. Aliás, os dois são grandes amigos. Vince adora passar o tempo ao lado dele. E o que o menino mais gosta é de ficar na cama junto com o vô e ter longas e divertidas conversas, dessas que tem avôs e netos.
Os dois também tem um repertório de brincadeiras muito legais. Ficam minutos olhando um para o outro, sem falar nada, disputando para ver quem pisca primeiro. Algumas vezes, Vince dá uma piscadela sem que o avô perceba. E por distração, ou por fazer vista grossa, o avô nunca ganha de Vince nesse jogo. Outras vezes, procuram joaninhas, formigas e outros insetos que passeiam no jardim da casa, e ganha a brincadeira quem der o nome mais esquisito para o bichinho. E já saiu cada nome bacana, como: Gladiador para um besouro cascudo; Menguinho para uma joaninha vermelha com bolinhas pretas nas costas; Malagueta para uma formiga pequenininha, mas que segundo o avô tem uma picada ardida, daquelas que queima como brasa.
Mas, em meio as brincadeiras da dupla, vez por outra também rola uma conversa mais séria. Como todo menino de 5 anos, Vince é muito curioso, e costuma bombardear o avô com perguntas e mais perguntas. Em um desses momentos mais sérios, em que os dois estavam deitados na cama, Vince viu a foto de uma senhora de cabelos brancos no porta-retratos sobre o criado mudo ao lado da cama do avô. E então disparou a pergunta:
— Vô, essa foto é de sua namorada? O menino perguntou apontando para o porta-retratos.
— Não Vince! Essa linda dama é a minha mãe. Sua bisa.
— Você sente saudades dela vô?
— Sim. Há dias que sinto sua falta. Respondeu o velho meio emocionado.
— E o que você faz para não ficar triste, quando lembra da bisa?
— Bom! Eu tenho minhas artimanhas, e aí consigo matar a saudade.
— Que artimanhas vô? Perguntou o menino com curiosidade.
— Ah! Não posso contar. É um grande segredo! O avô falou com ar sério, mas no fundo estava contendo o riso.
— Vô, qual é o maior segredo que você possui? Aquele mais secreto de todos?
— Deixe-me ver. O avô parou para pensar. Pensou bem. E pensou ainda um pouco mais. Como quem tem uma lista de muitas coisas e quer ter a certeza que está escolhendo a melhor de todas. Depois de um tempo, finalmente falou:
— Ah, sim! Eu tenho um grande segredo!
— E qual é ele vô? Perguntou o menino rindo e esfregando as suas mãozinhas gorduchas uma na outra.
— Mas Vince, se eu lhe contar deixa de ser segredo. E aí perde toda a graça. Lhe respondeu o velho, fingindo uma cara muito séria.
Subitamente veio um sorriso no rostinho do garoto. EUREKA. Pensou o menino.
— Vô, eu também tenho um grande segredo. Podemos trocá-los. Você me conta o seu segredo e eu lhe conto o meu. O que acha?
— E como vou saber se o seu segredo é assim tão grande quanto o meu? O avô quase não conseguia conter o riso vendo a fisionomia pensativa do neto, que tentava encontrar uma solução para o seu grave problema.
EUREKA! Pensou de novo o garoto.
— Eu tenho dois segredos. Um muito, muito grande... Assim do tamanho de um elefante barrigudo, e o outro é quase tão grande como....
Vince olhava ao redor procurando algo grandioso para falar.
— Como o meu submarino de brinquedo, só que o de verdade, de tamanho grande. Entendeu Vô?
Se imaginação fosse algo visível como fumaça, naquele momento, o avô certamente conseguiria ver os elefantes e submarinos saindo da cabecinha de Vince e flutuando pelo ar do quarto. O avô se surpreendeu com a esperteza do neto, e agora quem estava curioso era ele.
— Não sei se me interessa essa sua proposta. Porque o meu segredo é gigante Vince. Disse o avô fingindo desinteresse.
— Por favor vô. Vai vô, por favor. Me conta.
Vince estava suplicando com aquela carinha de anjo, que toda criança espertinha sabe fazer, somente para convencer os avós. Mas, o velho senhor seguia na brincadeira de resistir aos apelos do neto.
— Não sei! O meu segredo é muito secreto mesmo.... Será que lhe conto?
Então, quando o menino fez aquele olhar pidão, não deu mais para o avô resistir.
— Ok Vince, você venceu! Mas, quero que você me conte primeiro o seu maior segredo.
E agora? O que fazer? Pensou o espertinho do Vince.
— Vô eu lhe amo! E se pendurou nos braços do velho.
— Eu também lhe amo muito! Que gostoso ouvir isso da boca do meu neto preferido.
— Mas isso eu já sabia, não é segredo. Enquanto dizia essas palavras, o avô sorria com os olhos úmidos de emoção.
— Tudo bem! Com esse seu abraço eu não resisto. Você me convenceu Vince.
— Então me conta o seu segredo! Falou o menino, quase gritando de tanta excitação.
— Não vou contar.... Disse o velho senhor.
— Mas vô, você prometeu... Reclamou Vince.
— Sim, e promessa é dívida. Por isso, em vez de apenas contá-lo, vou dividi-lo com você. E aí vamos ter um segredo só nosso. O que acha Vince? Legal?
Enquanto ouvia as palavras do avô, os olhos de Vince brilhavam como estrelinhas cintilantes.
— Obaaa! Vamos ter um segredo só nosso! Gritou o menino.
— Mas você tem precisa ter paciência, que agora ainda está cedo. A melhor hora para compartilhar um segredo é lá pela noitinha, pouco antes do sono chegar! Disse o avô olhando para seu relógio de pulso cheio de números.
Naquele dia, pela primeira vez, logo após jantar, Vince pediu espontaneamente para tomar banho. Na verdade, o menino costumava esquecer do banho, assim como, também esquecia de escovar os dentes e de vestir o pijama antes de deitar. Quase sempre tinha que ser convencido pelos pais a fazer essas coisas chatas, que nem sempre as crianças se lembram de fazer sem reclamar. Também naquele dia, insistiu que era seu avô quem lhe daria um beijo de boa noite, porque tinham um assunto importantíssimo para terminar.
A guerra de castanhola
— Pssssss! Fez o avô com o dedo indicador no seu lábio. Antes que o neto já sonolento lhe falasse algo.
— Quietinho Vince. Apenas relaxe! E deixe que eu levo você comigo. Sussurrou essas palavras dando a mão para o menino.
Logo os dois estavam em uma pequena praça que possuía duas fileiras de bancos de cimento. Nela havia cinco ou seis pés de sombreiros, também conhecido por sete copas. Dois meninos estavam trepados cada um em uma árvore. Vestiam calções surrados e camisetas sujas e furadas. Eles riam e gritavam. E também diziam alguns palavrões, desses que só são permitidos durante uma guerra de castanholas. Nessa brincadeira as amêndoas ou castanholas, serviam como munição
— Guerra de castanholas? Podemos pedir para brincar, quer dizer, guerrear com eles? Perguntou Vince se virando para o Avô.
— Mas, cadê você? O avô tinha sumido.
— Aqui em cima Vince! Venha logo, você está perdendo a farra! Gritou o avô, que agora parecia um menino de sete anos, atirando uma castanhola que acertou de raspão o braço do neto.
Vince subiu meio sem jeito, não estava acostumado a trepar em árvores. Mas, em poucos instantes já era um guerreiro aliado ao avô-menino, ou seria menino avô? Por longo tempo avô e neto pelearam com os dois outros intrépidos guerreiros pela conquista daquele importante reino.
A misteriosa casa da lagoa
Depois de muita brincadeira, Vince e o vô estavam suados e ofegantes, e muito, muito, muito felizes. Os dois desceram de suas árvores e foram descansar sentados em um dos bancos que ficava bem no fundo da praça. Então começaram uma gostosa conversa.
— Vô! Podemos vir sempre aqui para brincar?
O avô ficou um tempo em silêncio. E então lhe respondeu.
— Vir aqui faz parte do nosso segredo. Poderemos vir aqui outras vezes. Isso agora só depende de você.
— Oba! E você virá sempre comigo, senão fica sem graça.
— Isso também só depende de você. Respondeu o avô-menino com um sorriso enigmático.
— Olha vô! Tem uma casa lá! Disse Vince, apontando para uma casa do outro lado de um ribeirão que passava nos fundos da praça.
Era uma velha casa de madeira, sem pintura, de telhado alto, provavelmente com um sótão. Parecia estar abandonada há muito tempo. Ela ficava na margem do ribeirão e o seu jardim era a vegetação rasteira que brotava na várzea.
— Sim e ela também faz parte do nosso segredo! É a casa da lagoa! Disse o avô.
— Porque casa da lagoa, se é um rio que passa por ela? Perguntou Vince.
— Isso é uma outra história. Você quer que eu conte? Perguntou o avô já prevendo a resposta do menino.
— Sim, sim, sim. Respondeu o menino entusiasmado.
Então o avô começou a contar a sua história.
— Uma menininha, há muito tempo atrás, também quis dividir o seu maior segredo comigo. Eu devia ter a sua idade. Essa querida menina me levou pela mão e seguimos a margem desse ribeirão. Lá mais adiante, mostrou o avô apontando para sua esquerda, quase chegando no mar, o riozinho forma uma linda lagoa.
— Naquele dia brincamos na água limpa e morna da lagoa. Lembro que um siri beliscou o dedão do meu pé, na hora me assustei e dei um grito. Sua bisa riu da minha cara e aí nós caímos na gargalhada. Lembro que havia muitas estrelas do mar e até cavalos marinhos. Foi um dia inesquecível. Falou o avô com a voz emocionada.
— E é por isso que a chamo da casa da lagoa.
Atravessando o ribeirão
— Vô, quero ir lá na casa!
— E você imagina como pode atravessar o rio? Perguntou o avô sorrindo.
O menino ficou pensativo sem conseguir encontrar uma solução. Vince não sabia nadar. Não havia ponte, e nem ao menos um barco para os levar à outra margem do ribeirão. Então, o avô vendo a dificuldade enfrentada pelo neto lhe deu uma dica.
— Aqui nesse nosso lugar vale tudo. Podemos ir voando, mas acho que isso já está meio “manjado”. Ou quem sabe, podemos entrar no seu submarino e cruzar o ribeirão por baixo d’água. O que acha Vince?
Depois de pensar um pouco, enfim Vince tinha a resposta.
— Já sei! Já sei como atravessar!
O menino tirou do bolso um sapo de pano, recheado com areia, que servia de peso para a porta do seu quarto. Era um sapo verde, de olhos grandes e arregalados, com uma pequena língua saindo de sua boca larga.
— O meu sapinho tem vários amigos que vivem aqui perto do ribeirão e eles vão nos ajudar nessa perigosa travessia. Falou o destemido Vince, como se fosse um aventureiro, prestes a fazer uma grande proeza.
Imediatamente, um grupo de oito sapinhos, enfileirados dentro do riacho, formaram uma espécie de ponte improvisada. Dessa forma, avô e neto puderam passar para a outra margem, saltando de sapinho em sapinho.
Diante do mistério
Ao chegarem à casa, os dois pararam diante da velha porta. Vince já estava quase com a mão no trinco da porta, quando seu avô lhe segurou delicadamente pelo braço.
— Vince, nós não podemos entrar nessa casa. Pelo menos, não pela porta. Disse o avô com a voz suave.
— Mas vô, e como vou descobrir o seu segredo? Ele não está escondido dentro da casa? Perguntou o menino, intrigado com a atitude do avô.
— Sente aqui ao meu lado. Pediu o avô que já estava sentado no chão.
— Chegou a hora tão aguardada. Vou lhe contar o meu grande segredo. Preparado?
— A verdade é que eu nunca entrei nessa casa.
Os olhos de Vince estavam arregalados pela surpreendente revelação do avô.
— Todas às vezes que vinha brincar na praça, eu olhava de lá do outro lado, e via essa casa de madeira, antiga e desabitada. E eu ficava muito curioso. Igual você está agora, querendo saber o que havia dentro dela. Então, eu imaginava mil coisas. Um dia, imaginei que era a residência de um velho pirata, com tapa-olho, perna de pau e até com o papagaio no ombro. Exatamente como os piratas eram descritos nas histórias que me contavam.
— Pirata é legal vô. Já pensou se a gente tivesse um mapa para achar o tesouro de seu pirata.
O avô riu da empolgação do menino.
— Na verdade Vince, o que sempre vinha em minha imaginação, era que subindo uma escada de madeira, eu chegaria no sótão, e lá estaria algo mais valioso que uma arca cheia de dobrões de ouro.
Como seu avô havia feito uma pequena pausa, Vince perguntou ansiosamente.
— E o que pode ser mais valioso que o ouro do pirata com perna de pau?
Compartilhando um segredo
— Ah Vince. Há tantas coisas que valem mais. Suspirou o avô.
— Mas naquela época, eu imaginava que lá em cima no sótão haveria um monte gibis. Sim, histórias em quadrinhos, de todos os tipos. E eles seriam os melhores gibis do mundo. E melhor ainda, eu poderia ficar esparramado em um tapete no chão lendo todas as histórias que quisesse. E sem pressa, só eu e as revistinhas.
— Então Vince, o que acha de tudo isso que lhe contei?
Crianças são sinceras e costumam não disfarçar o que sentem. E Vince estava visivelmente frustrado.
— Gibis. Eu até gosto, mas preferia um tesouro de verdade. E ainda estou curioso para entrar e ver o que há lá dentro. Então, é só isso mesmo seu grande segredo?
O avô já tinha uma resposta para o agora desanimado Vince.
— O mundo dos adultos está cheio de portas, com chaves, senhas e alarmes. Parece que tudo que existe já é conhecido e está guardado. Mas a vida é muito mais divertida, quando tem segredos e mistérios para serem desvendados.
— Pelo menos aqui neste nosso mundo as coisas são diferentes. Como nem você nem eu entramos na casa, podemos imaginar o que quisermos que tenha lá dentro.
— Agora é com você. Experimente usar a sua imaginação Vince. E me diga qual é o grande mistério dessa casa?
Depois dessas palavras do avô, os olhos de Vince voltaram a brilhar ainda mais intensamente. Então o menino fechou os olhos, e franziu um pouco sua testa. E disse:
— Tem uma prateleira com uma pilha de caixas de Minegrafts. Há tantos que não sei nem por onde começar.
— Minegrafts? Estou ficando velho mesmo. Quando voltarmos para casa você vai ter que me explicar que brinquedo é esse. Preciso me atualizar. Disse o avô sorrindo.
— Que coisa boa vô! Agora temos a nossa casa da lagoa e que continua repleta de mistérios. E sempre que quisermos podemos vir na praça para fazer guerra de castanhola.
— Sim Vince. A nossa imaginação nos liberta. Ela pode nos levar para qualquer lugar e nas melhores companhias. Agora que você já conhece o caminho, poderá voltar aqui outras vezes. Falou o avô.
No dia seguinte Vince acordou cedo. Depois de uma noite repleta de sonhos, o menino estava faminto. Pulou da cama, e antes de sair do quarto, deu uma piscadela cúmplice para o sapo que estava encostado no pé da porta.
Perfeito. Parabéns
Suzi Días
Goiânia GO
Gostei...
Luciana Perez
Campo Grande MS
Excelente texto. Muito bom.
Paulo Roberto
São Paulo SP