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Artigo - “Pantanais de Areia”: o retorno de uma lenda, por Sylvia Cesco

Foto do escritor: Alex FragaAlex Fraga

Sexta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de artigo com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Sylvia Cesco, com "Pantanais de Areia”: o retorno de uma lenda"


“Pantanais de Areia”: o retorno de uma lenda

Sylvia Cesco


Considerado por muitos como o ícone da literatura latino- americana, o escritor Júlio Cortázar costumava lembrar que cantar ( celebrar, reverenciar ) algo é unir-se, em ato criador , às qualidades ontológicas que não são próprias do homem, mas que este, em seu estado de poeta , quando se descobre maravilhado diante de algo - um cenário, uma pessoa, um deus, uma ação- anseia por atingir a sê-lo também, resultando na fusão de versos que o amalgamam à coisa reverenciada, enriquecendo-a esteticamente. Na verdade, este pensamento de Cortázar já era ensinado pelo filósofo grego Aristóteles ao propor sua mimese, entendida por “um processo de imitação ou representação fundamental para a arte e que é compartilhado pela natureza; sendo um ato esteticamente criativo e ativo , a ideia central do processo mimetizante é um lugar de reconhecimento e verossimilhança”. Um claro exemplo da reflexão aristotélica e cortazariana sobre o mimetismo criativo está no livro “Pantanais de Areia”, de autoria do poeta Nelson Araújo Filho, lançado na quinta-feira próxima passada em um cenário acolhedor, pleno de verde e de música . Agraciado por dois Campos (o Maior, no Piauí, que consta da sua certidão de nascimento; e o Grande , em Mato Grosso do Sul, onde desenvolveu seu currículo social e profissional) , foi observando e convivendo com outro elemento da natureza – a água- que Nelson se descobriu poeta, ( e que poeta! ) para o enlevo de tantos amigos e admiradores. Tenho comigo que tal descoberta se revelou mais fortemente nesses últimos anos quando, ao assumir a Presidência do Instituto Agwa, entidade que atua em favor da preservação e conservação dos solos alagados e valoração do patrimônio natural que foi reconstruído ao longo do tempo, ele teve a oportunidade de vivenciar ,coletivamente, as belezas de uma região que é maior planície alagada do Planeta: o Pantanal. Não é novidade, em nossa área literária, que o elemento água representa para os bons poetas “ uma realidade completa, um ser total , com corpo alma e voz” ( Thiago de Mello), “ligada aos sentidos de liberdade e solidão”. (Graça Mello), ao contrário daqueles seres desprovidos de poeticidade que veem no elemento água apenas uma substância incolor, insípida e inodora. Com certeza, os quatro elementos da natureza- terra, ar, fogo e água- são evidenciados, em conjunto ou separadamente, pelos beletristas. Afinal eles fazem parte do nosso universo visível. Mas é o elemento água aquele que mais contempla “a retórica do silêncio (...) onde está plantada a raiz da linguagem, que tem um reino flutuante que percorre o rio do discurso da sintaxe invisível formada por imagens, ideias, emoções, sonoridades e grafismos.” E é nesse aquoso cenário que o rio de versos de Nelson flutua num movimento contínuo das correntes e corredeiras da linguagem, formando uma bela e necessária usina geradora de imagens e de energia poética! E por que Nelson Araújo Filho utilizou-se da palavra “areia” e não “água” para nominar o título desta sua primeira coletânea de poesias guardadas nas gavetas do seu armário? Valho-me da minha condição libertária de leitora e igualmente de poeta para responder: o Pantanal conhecido pelo autor em tempos passados foi aquele dos corixos cheios, do Taquary e do São Lourenço ondeando nos quintais da gente pantaneira , “em margens recortadas das correntes/por onde o tempo seguia /deslizando em atalhos”. Depois, “veio a areia /entupiu corixos/ espantou os rios-Isso não foi bom”. Diante de uma realidade tão dolorosa , restou-lhe buscar inspiração na Lenda da Ostra e da Areia para transformar em pérolas poéticas as mágoas da saudade de um Pantanal que já não existe, porém do qual ele nunca soltou as mãos, pois tem com ele um compromisso de amor e de perdão, tal como a metáfora primeira que existe na Lenda acima citada.




 
 
 

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