Artes - "A moldura não tem que aparecer mais do que a obra", diz Paulo de Freitas Cardoso
- Alex Fraga
- 15 de out. de 2024
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A profissão de moldureiro está cada vez mais rara. Ele é aquele que monta a sua obra de arte e dá mais um beleza em seu quadro, sem interferir na obra. Em Campo Grande - Mato Grosso do Sul está cada vez mais raro encontrar aquele profissional considerado raiz: o que sabe como iniciar um trabalho e encerrar com perfeição. Dos poucos existentes na capital sul-mato-grossense, Paulo de Freitas Cardoso, mais conhecido como "Paulinho", 62 anos dos quais 40 como moldureiro e proprietário da Loja e Galeria Belas Artes (Rua Antônio Maria Coelho,1182). "Minha história começou com apenas 13 anos e precisava de um emprego. Queria trabalhar. Meus pais eram ferroviários e eu queria ajudar em casa. Tentei uma coisa ali e outra lá, mas no entanto sempre gostei de arte, sempre valorizei. Assim resolvi entrar nesse ramo em 1977 e estou trabalhando até hoje", comentou.
Paulinho abriu sua primeira loja no bairro Monte Líbano onde ficou por 20 anos. Posteriormente mudou para rua Bahia e em seguida para rua 14 de Julho. "Estou aqui nesse ponto há 18 anos. Esse prédio era da Maria da Glória Sá Rosa, mais conhecida por todos como Dona Glorinha, muito conhecida na área cultural. Ela que me trouxe para cá. Antes era um salão, uma igreja. Assim ela não queria mais alugar para esse pessoal pois segundo ela havia muito barulho. Foi então quando Renato Calçados que era muito amigo dela, disse que eu gostaria montar uma loja de molduras. Ela então ligou para a imobiliária e disse para alugar para mim", salientou.
ARTISTAS - Nesse tempo todo de profissão, Paulinho disse que fez muitas amizades com os artistas, dentre eles, Conceição dos Bugres Ilton Silva, Isaac de Oliveira (todos já em outro plano), como também Jonir Figueiredo, Cleir, Edson Castro, Luiz Xavier e Sullivan (esse um dos que mais está presente em sua loja). "Nesse mundo você tem a oportunidade de conhecer grandes nomes das artes de Mato Grosso do Sul. O Ilton Silva por exemplo tenho uma história muito engraçada. Certa vez ele estava sentado próximo a um hotel aqui perto e ele disse: "vamos tomar um vinho?". Eu respondi que sim e disse para esperar uns 10 minutos que iria trazer uma garrafa. Imediatamente ele afirmou que tinha. Falei, ótimo, então vamos tomar. Assim ele pegou dois copos daquele de massa tomate e um Campo Largo debaixo do braço. Bem coisa do Ilton. Aí disse: "você quer que eu pegue o açúcar ?". Ele ficou bravo e foi embora porque eu falei mal do vinho dele.(risos).
AJUDAR OS NOVATOS - Paulinho ressaltou que ele em sua loja procurar ajudar aqueles que estão iniciando nas artes. Acredita que assim pode dar um incentivo a mais para os que desejam prosseguir com as artes plásticas. "Por exemplo, o Cleber, da Cleber Molduras trabalha com os artistas regionais de renome, os mais conhecidos. Como ele está com esse pessoal regional, eu resolvi dar uma chance para aquelas pessoas que fazem aula, estão iniciando nas artes. Então o que fiz, montei uma galeria pensando mais nesse pessoal. Para ajudar elas, para que as artes plásticas continuem".
O moldureiro foi enfático em dizer que falta muito incentivo para as artes plásticas em Mato Grosso do Sul. "Por exemplo, eu viajo às vezes e procuro conhecer os trabalhos dos artistas de fora. Eu estive no Recife, em Pernambuco pois tenho um amigo lá que tem um trabalho maravilhoso. Ele me relatou que o incentivo lá é extremamente grande. Isso que nós não temos aqui no Estado. Às vezes eu penso assim: não temos alguém da Cultura na Secretaria de Cultura. Acho que isso que falta. Uma pessoa com mais sensibilidade e que saiba a necessidade dos artistas. É necessário mais divulgação. Por exemplo, às vezes sabemos de uma exposição na Casa de Vidro e não vê divulgação alguma. O próprio artista tem que correr atrás, ligar para uns amigos e dizer sobre a exposição dele".
UNIÃO ENTRE OS MOLDUREIROS E LOJAS - Outro ponto abordado por Paulo Cardoso, foi com relação aos moldureiros e lojas. Disse que no setor não existe nenhuma competição. De acordo com ele, quando um não tem certo material, liga para outro que tem e tudo bem, sem problema algum. "Os clientes do Cléber são deles e procuram ele. O da Marilza são dela e os meus são meus. Não existe nenhuma briga. Nós ajudamos um ao outro. Existe essa união entre os moldureiros. Nosso pessoal é tão pouco. Nossa classe está diminuindo. A minha geração que é da época da maior loja que teve em Campo Grande, a Medalhão Decorações. Eu sou cria de lá, como o Cleber e o Valdir. Eu digo da nossa geração raiz mesmo, aquela que começa do A ao Z, quase não existe mais. Hoje tem muito maquinário. Antes as coisas eram mais brutal e tínhamos acabamento. Nós mantemos a qualidade daquela época. Hoje eu até falo para o Cleber que a hora que a gente parar, acabou. Eu estou ensinando um garoto aqui. Estou fazendo uma nova linha porque estão acabando. Estou ensinando ele como me ensinaram. Quando começa e como termina. Hoje em dia as coisas são diferentes. Os caras não sabem fazer um quadro por inteiro".
Paulinho afirmou ainda que atualmente tudo é feito em equipe, onde um corta; outro monta e outra pessoa fecha. "Os caras não sabem começar e terminar. Se algum faltar no dia o trabalho não se completa. Hoje em Campo Grande temos acho que 5 ou 6 lojas raiz mesmo. É muito pouco para uma capital de 1 milhão de habitantes. Nós temos cuidado com os trabalhos que aqui chegam. Forramos a mesa para não estragar absolutamente nada o trabalho das pessoas. Com o rapaz que aqui está eu digo: Luca, nós temos que fazer que o trabalho do cliente fique bonito. Não é a moldura que deixa bonito. Você tem que valorizar aquilo que ela tem. A moldura não tem que ultrapassar o que é quadro, a arte. Sempre digo, quando você olhar para o quadro tem que ver ele no meio. Você não olha para a moldura. O que mais indigna às pessoas que têm uma obra de arte é quando outra pessoa chega em sua residência e diz que a moldura é bonita. Não é a moldura que tem que aparecer, é o quadro. A moldura é só uma vestimenta. Nós temos que criar para que ele fique mais bonito do que é. É isso que estou ensinando para essa nova geração. Tem eu, Cleber e Valdir... um não quer mais saber. Está sobrando apenas eu e o Cleber dessa geração antiga. Mas vamos na luta!"
Maravilha de matéria. Parabéns.
Silvia Cristina
São Paulo SP